Trace Mary
estava de fato perplexa com os últimos acontecimentos Andava até meio
anoréxica, diante do que lia nas folhas daquele processo onde vivia e do qual
se alimentava, muito embora a sua filosofia de vida fosse comer pouco e pensar mais,
afinal era uma intelecto-traça.
Isso mesmo,
Trace era uma traça crítica, culta, politizada, nascida e criada no planeta
Fórum, tinha um pensamento bem apurado sobre tudo o que acontecia ali. Descendia
de uma linhagem nobre de traças nascidas e criadas num Processo de Modificação
de Guarda, local escolhido pelos fundadores da sua traço-tribo porque
teoricamente seria um espaço de grandes decisões em favor de uma criança humana,
no caso, um menino chamado Pablo, Uma tribo de humanidades, enfim.
Suas raízes
estavam ali, ali viveram e morreram seus antepassados, alguns com distúrbios
gástricos por insistirem em se alimentar de afirmações e decisões infames
impressas em seu alimentos, notadamente carregados de compostos energéticos não
recomendados à saúde de nenhuma espécie.
Era o grupo
de traças acríticas, que não se alfabetizaram
para a vida,embora soubessem ler. Tampouco se importavam com as injustiças
sociais, estavam ali somente pelo alimento fácil, indiscriminado, que
invariavelmete os envenenava.
Outra forma
de morte infame assolava seu planeta, assombrava a sua espécie: a Peste da Depressão,
que se dava nos tempos de escuridão quando sua tribo ficava jogada no fundo de
alguma gaveta, esquecida por humanos sem humanidade, daqueles que , se fossem
traças, certamente estariam naquele grupo de traço-glutões envenenados,
Trace se
preocupava em dobro com a depressão das
gavetas que não só refletia o atraso espiritual de seu planeta, como também
devastava a traço-nobreza sensível de
sua espécie. Era a morte da esperança, o tombo final no vácuo que a tristeza
provoca na alma, a peste que, por vezes, ameaçava roubar os melhores sonhos de
Trace.
Mas como o
que não mata fortalece, Trace criou a resistência dos bons guerreiros. Também se
fortalecia pelo afeto que passou a
dispensar ao menino Pablo, que veio a conhecer pessoalmente quando da
entrevista dele com a Assistente Social. Achou-o bonito, inteligente,
articulado, um discurso de quem teve que amadurecer pela força de circunstâncias
indesejáveis, que descrevia com clareza e coragem, embora seu olhar teimasse em
denunciar o medo do desamparo.
Mesmo quando
a Assistente Social esqueceu o processo com a sua traço-tribo no fundo da gaveta, envolvendo
seu povo por meses na febre da depressão e promovendo o traço-extermínio de sua espécie, Trace resistiu. Pensava no menino Pablo que também tinha as suas
expectativas aprisionadas ali, na escuridão do descaso.
Lamentava a sua
traço-solidão, e a solidão daquele menino de olhar assustado, sentia dó , uma
dó generalizada. E chorava, de molhar a página do relatório da Assistente
Social, que revelava a carência de Pablo. Torcia para que ele, tal como ela, resistisse.
E como não
há mal que sempre dure, Trace emergiu à luz em tempos de decisões e pulou de
alegria , cantou de esperança, ao ler a decisão do Juiz em favor das expectativas de Pablo. Uma decisão que aponta para o fim de uma vida processada, adiada, rumo
aos sonhados tempos de paz.
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