sábado, 16 de março de 2013

Trace Mary e o Processo

Trace Mary estava de fato perplexa com os últimos acontecimentos Andava até meio anoréxica, diante do que lia nas folhas daquele processo onde vivia e do qual se alimentava, muito embora a sua filosofia de vida fosse comer pouco e pensar mais, afinal era uma intelecto-traça.
Isso mesmo, Trace era uma traça crítica, culta, politizada, nascida e criada no planeta Fórum, tinha um pensamento bem apurado sobre tudo o que acontecia ali. Descendia de uma linhagem nobre de traças nascidas e criadas num Processo de Modificação de Guarda, local escolhido pelos fundadores da sua traço-tribo porque teoricamente seria um espaço de grandes decisões em favor de uma criança humana, no caso, um menino chamado Pablo, Uma tribo de humanidades, enfim.
Suas raízes estavam ali, ali viveram e morreram seus antepassados, alguns com distúrbios gástricos por insistirem em se alimentar de afirmações e decisões infames impressas em seu alimentos, notadamente carregados de compostos energéticos não recomendados à saúde de nenhuma espécie.
Era o grupo de  traças acríticas, que não se alfabetizaram para a vida,embora soubessem ler. Tampouco se importavam com as injustiças sociais, estavam ali somente pelo alimento fácil, indiscriminado, que invariavelmete os envenenava.
Outra forma de morte infame assolava seu planeta, assombrava a sua espécie: a Peste da Depressão, que se dava nos tempos de escuridão quando sua tribo ficava jogada no fundo de alguma gaveta, esquecida por humanos sem humanidade, daqueles que , se fossem traças, certamente estariam naquele grupo de traço-glutões envenenados,
Trace se preocupava em dobro com a  depressão das gavetas que não só refletia o atraso espiritual de seu planeta, como também devastava a traço-nobreza  sensível de sua espécie. Era a morte da esperança, o tombo final no vácuo que a tristeza provoca na alma, a peste que, por vezes, ameaçava roubar os melhores sonhos de Trace.
Mas como o que não mata fortalece, Trace criou a resistência dos bons guerreiros. Também se fortalecia pelo afeto que passou a dispensar ao menino Pablo, que veio a conhecer pessoalmente quando da entrevista dele com a Assistente Social. Achou-o bonito, inteligente, articulado, um discurso de quem teve que amadurecer pela força de circunstâncias indesejáveis, que descrevia com clareza e coragem, embora seu olhar teimasse em denunciar o medo do desamparo.
Mesmo quando a Assistente Social esqueceu o processo com a  sua traço-tribo no fundo da gaveta, envolvendo seu povo por meses na febre da depressão e promovendo o traço-extermínio de sua espécie, Trace resistiu. Pensava no menino Pablo que também tinha as suas expectativas aprisionadas ali, na escuridão do descaso.
Lamentava a sua traço-solidão, e a solidão daquele menino de olhar assustado, sentia dó , uma dó generalizada. E chorava, de molhar a página do relatório da Assistente Social, que revelava a carência de Pablo. Torcia para que ele, tal como ela, resistisse.

E como não há mal que sempre dure, Trace emergiu à luz em tempos de decisões e pulou de alegria , cantou de esperança, ao ler a decisão do Juiz em favor das expectativas de Pablo. Uma decisão que aponta para o fim de uma vida processada, adiada, rumo aos sonhados tempos de paz.


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"Sentir é Estar Distraído"


Exposição na Casa de Cultura Laura Alvim, Rio de janeiro,inspirada na poesia de Fernando Passoa..