quarta-feira, 29 de julho de 2009

Ansiedade

Tenho em mim a urgência da vida,
ainda,
a ansiedade orgástica de quem tem muito a descobrir,
despir passados
e me envolver de futuros
- do inesperado que virá-
sempre ,
surpreendentemente banal,
ainda assim,
surpreendentemente novo,
como a grama nos campos,
quando banhada de sol depois da chuva...

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sexta-feira, 24 de julho de 2009

Apenas um cisne

Distraída, doida, sei lá qual rótulo permanece.
É porque nem ligo mais, já sobrevivi a tantos outros ...

Mas também, o que esperar de alguém que pensa demais, tem labirintite e é míope desde criancinha ? Ah, naquela época era a desligada, a estabanada, pelos muitos esbarrões, que algumas vezes resultavam em prejuízos e punições.
Isso quando não levantavam a hipótese de alguma mediunidade que
justificasse meus passeios, muro do quintal afora, conversando com alguém que ninguém via, apenas um amigo imaginário que falava o meu idioma.

Não, que ninguém me veja aqui escrevendo, caras e bocas, quicando na cadeira, pé pra cima, pé pra baixo, mal me ajeitando quando me pego torta...
Não, que não me reparem andando na rua em dias de pensamento farto e labirintite. Fica tudo muito amplo, sobra motivo e espaço para entortar o passo, textos e desenhos em materialização.
E a sensação de ausência do meu corpo físico, quando estou pintando, horas de levitação e repetição da melodia eleita para enfeitar o ato? Esta dá um milhão de rótulos e especulações.
O contentamento do ato de criar me rouba o prumo.
Lembrei disso, ao ler o comentário da Ada sobre o meu post que trata da relação melancolia/ser criativo. Do comentário transborda a tristeza, a solidão que se sente ao ser julgado por agir e pensar diferentemente do senso comum.
E fiz uma viajem ao passado, debrucei-me naquelas dificuldades de infância e juventude, felizmente empalidecidas em tempo e memória.
Já me perdoei.
Respondi ao comentário de Ada, lembrando a história do patinho feio. E de quando descobri que não acertava o nado sincronizado simplesmente porque era um cisne. Nem melhor, nem pior do que os patos, apenas um cisne.
A descoberta da minha real natureza foi o meu grande atalho salvador. Daí para me perdoar, proteger minha auto-estima e sobretudo assumir o meu destino foi um pulo.
E, na mesma medida, perdoar aqueles que insistem em me rotular ou acertar o compasso do meu nado livre.
Da mesma forma, o nado sincronizado, coreografado pelo senso comum, não mais me causa estranheza. A cada natureza um destino.

Quanto à melancolia, como evitá-la em tempos tão difíceis deste planeta adoecido?
Só que hoje ela apenas se avizinha, aqui não reside mais...


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terça-feira, 21 de julho de 2009

Assinatura II

Tudo o que deveria ser dito

tudo o que poderia ser dito
é tudo o que sempre interessa
Dizer é um dever,um direito.
um jeito
de viver verdades.
acatar o destinado pela tua vontade.
Omitir-se, calar-se
é apenas um jeito covarde de roubar a vida
(entregar-se)
e entregá-la às traças
e aos livros vazios de histórias.
É condenar-se
(e condenar o outro)
ao silêncio do nada
ao vazio das possibilidades
ao não sonho de uma existência
plena,
livre

e assumidamente dita.

 


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quinta-feira, 16 de julho de 2009

Bem-vinda à mãe África!!!

Um cântico à Virgem entoado em dialeto africano despiu-me do presente e me remeteu à infância em colo pleno de amor de Maria Antonia, minha avó paterna, meu elo com a mãe África, uma preta linda, sábia e feliz que me criou. 
Era exato o cântico que ela entoava para embalar o meu sono o mesmo hino à Virgem, divindade que delineou a minha fé, minha referência de acolhimento e proteção.

Entendi aquele momento como uma permissão à minha entrada no Quilombo, a resposta inesperada e imediata ao meu pedido de licença. Braços de Maria Antonia em meio aos seus irmãos me acolhiam como que dizendo: - Bem-vinda ao ninho!
Foi um dia lindo, beleza e sensibilidade à flor da pele, lágrimas que teimavam em traduzir afetos, emoções e uma imensa vontade de envolver a todos num forte abraço, para expressar a minha gratidão, pois que, ali, me foi permitido resgatar o elo e reencontrar a minha criança.
A criança que encontrou a Vó Antonia, que lhe pediu para não mais lembrar o 13 de maio como aniversário de sua morte, porque neste dia ela festeja nos Quilombos, canta para a Virgem, saúda os orixás, inspira as cozinheiras da festa e dança nas rodas de jongo.
Não há tempo para vir me consolar..
Quilombo São José, em festa de 13 de Maio, quase um sonho, um reencontro espiritual com as minhas raízes, um colinho de Vó...

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domingo, 12 de julho de 2009

O ser criativo e a melancolia

Por que será que os poetas, filósofos, artistas... são tão melancólicos? Aristóteles
Penso que é porque os criativos são dotados de uma percepção mais ampla das circunstâncias humanas. Vamos combinar que esta visão às vezes assusta, principalmente quando reflete as nossas próprias limitações.
O lado bom é que, passado o susto, o medo, os tropeços, em algum momento o instinto de preservação é acionado e aí vem a força criadora para reagir. E com a mesma intensidade com que se entregam à melancolia os criativos dedicam-se a buscar seus atalhos salvadores.
Acredito na arte como instrumento importante para o enriquecimento do sentir, do pensar, do criar, portanto a ser socializada para que transformemos o pensamento de Aristóteles: - onde se lê poetas, filósofos, artistas,... leia-se o ser criativo. É certo que o ser humano é potencialmente criativo.
Não que a melancolia seja um sentimento desejável, agradável, perceber o lado sombrio da condição humana é claro que dói, mas revela o sintoma que aponta para o remédio.
O criativo, portanto, sai na frente em termos de cura e cada passo adiante neste percurso deve ser comemorado, para que os efeitos colaterais do processo curativo sejam suportados.
Ao assumir as rédeas do próprio destino, conquistamos os louros da independência, criamos anti-corpos para combater a inércia, assumimos o ônus das decisões equivocadas.
Assim, não mais há tempo/espaço para culpados, tudo é urgência para mudar o rumo e ajustar o leme de volta ao norte, lá onde nos aguarda a missão.


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sábado, 11 de julho de 2009

Fernando Pessoa, mágico e inspirador!




"Procuro despir-me do que aprendi/
procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram/
e raspar a tinta com que me pintaram os sentidos/
desencaixotar as minhas emoções verdadeiras/
desembrulhar-me e ser eu..."


Pessoa/ Alberto Caeiro
(trecho de
O Guardador de Rebanhos -1911/1912)

Atualíssimo e oportuníssimo, quase cem anos depois..
.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Será preciso morrer para ser absolvido?

Finalmente absolveram Michael Jackson, pena que ele precisou parar de respirar para que isto acontecesse.
O que a maioria não percebeu é que ele já havia morrido há muito tempo, porque não tinha mais auto-estima, haja vista a desenfreada tentativa de "melhorar" a sua aparência, a ponto de não mais enxergar as deformidades que adquiria, a cada intervenção.
Enquanto isso, os paparazzi perseguiam um "big close" do astro, tristemente bizzaro, para se alimentar e alimentar a indústria do entretenimento, que também alimenta o espaço mais sombrio dos sentimentos humanos. Triste cadeia alimentar da ambição desmedida, da inveja e da intolerância.
Pelo crime de brilhar e surpreender o mundo com a sua genialidade, Michael Jackson teve sua sentença selada por uma inquisição globalizada, com poder de visibilidade capaz de envolver toda a comunidade planetária numa execução mais lenta, mais sutil, mais criativa, mais afinada com este triste hiato de valores espirituais que permeia a pós-modernidade.

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