sábado, 12 de setembro de 2009

Data Venia, Carpe Diem


É preciso tocar a vida jurídica
enfrentar a morte burocrática
Agir,
"segura",
"carismática",
muito medo por dentro

Assessoria jurídica,
como vim parar aqui?
Sufocam-me o ambiente
processos, atas,
leis exclusivistas, no sense,
e o cheiro dos velhos papéis

Afligem-me as tristes máscaras
burocratas,
figuras opacas
carentes de vida
Consciências repartidas,
em repartição pública
de público excluido

Trás das leis e das velhas mesas
humanos de terno
- humanidade e ternura ausentes -
analisam, morosamente
-amor ausente -
vidas, desejos , carências humanas
expostas em papéis numerados,
exaustivamente processados
- burocracia efetiva, sem afeto -

Defendo-me,
divago:
quais histórias guardam,
quais segredos escondem
aquelas mesas e gavetas?

Imagino:
Nos cantos das prateleiras
e no fundo das gavetas
traças gordas adormecidas
aguardam,
quando o silêncio,
o retorno à farra gastronômica

Constato:
Ali, o ecossistema garante:
Humanos ganham o seu pão
com o pão das traças;
alimentam a burocracia
e a burocracia os alimenta
e às traças

Um termo em latim
da lei recorrente
me torna ao ambiente
Data Venia? Sei lá o que é isso!
Prefiro Carpe Diem,
diante de um dia que desperdiço
Ou fiat lux, na ausência de dotação,
que reponha as velhas lâmpadas da repartição

Leis mil e mis e sei lá quantos artigos,
alíneas de A a Z,
ruídos de grampos e carimbos
Ensurdeço,
volto pra mim, evito o que já vi,
procuro o que não posso ver ali


Poesia?
Impossível imaginá-la naquele universo
nebuloso, poeirento

Cigarro após cigarro,
aguardo o atendimento
"segura",
"carismática",
muito medo por dentro...

Sinto sede:
"tem água, mas não tem copo,
repartição pública, sabe como é..."
desculpa-se a Secretária,
por instantes solidária

Desisto...

Pela janela,
o Morro da Urca
me rouba dali
Não vejo o verde,
o Corcovado,
nem mesmo o azul do céu consigo
O Pão de Açúcar, me parece dormido,
amargo,
o que está havendo comigo?

Olhar nebuloso,
sigo o bondinho,
ar cansado
hora marcada,
cumpre
seu destino inexorável
Sobe e desce, vai e vem...

Penso na cegueira dos conformados,
sinto-me tal e qual...


Torno à sala,
Fim de expediente,
nada reaje,
tudo igual
Apago o último cigarro do maço
- não sei como ou quando o acendi-

Constato:

Cinzeiros repletos apontam
tensões reprimidas,
tesões esquecidos,
ausência de verbo

Sobre mesas cansadas,
conformadas,
processos em pilhas insistem
e garantem
mais um dia de expectativas públicas
frustradas

Reajo, grito:
Traças, humanos, burocratas, juristas, legisladores e afins,
data venia, durmam tranquilos,
pão garantido ad eternum!

Porta à fora,
escapo,
alcanço o elevador,
e sobrevivo
aos dez andares descidos,
naquela máquina emperrada

A rua me acolhe
me envolve de gente,
de passo apressado,
de vida que pulsa,
me acena,
exige,
e me obriga ao compasso
e à ânima,
em clima de fim de tarde

Decido:
Renuncio ao benefício,
rejeito as benesses da morte,
esqueço aquele endereço

Rumo de volta ao meu norte,
lá onde o medo não alcança,
relaxo
e resgato a canção de Gil
que me diz:
"sou feliz por um triz..."

Escrevi há algum tempo e, volta e meia, retorno a este texto para exorcizar o meu pânico de burocracia, principalmente na área jurídica.

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